Por Elton Cristiano Santos da Silva (1)
Resumo
Este artigo pretende apresentar uma breve reflexão sobre os toques de berimbaus presentes no seguimento da capoeira conhecido como Luta Regional Baiana (2). Propomo-nos apresentar aos leitores, sejam eles pesquisadores, capoeiristas ou simplesmente admiradores da arte, uma outra maneira de compreender os toques da capoeira do Senhor Manoel dos Reis Machado, o saudoso Mestre Bimba. Para subsidiar nossa argumentação, apresentamos diversas gravações, artigos e partes de livros que tratam do referido tema.
Palavras-chave: Capoeira - Mestre Bimba – luta Regional Baiana - Toques Berimbau
1 Mestre de Capoeira pela Associação de Capoeira Viola de Ouro, Vice-presidente da Liga Camaçariense de Capoeira, Conselheiro Municipal de Cultura, Graduado em Engenharia de Elétrica. Pós-graduado em Gestão Pública. Email: eltoncristianoss@gmail.com
2 Capoeira Regional. Criada completa pelo Dr. Honoris Causa, Manoel dos Reis Machado em 1928. (ALMEIDA, 1994, p. 17).
INTRODUÇÃO
O objetivo desta pesquisa é trazer informações acerca dos toques da/na Luta Regional Baiana, também conhecida como Capoeira Regional, criada pelo Dr. Manoel dos Reis Machado, e as suas variações que vieram a ocorrer ao longo dos anos.
Para tanto buscamos apresentar os toques mais conhecidos, mas também aqueles que suscitam discussões entre os adeptos da capoeira regional, gerando, assim podemos dizer, um conflito de gerações acerta da compreensão desses toques.
Tivemos como fonte de pesquisa publicações em livros, revistas, jornais, depoimentos em áudio, conversas apresentadas em grupos de pesquisas, enfim, no universo que compõem o mundo da capoeira, seja de forma presencial ou virtual.
Numa revisão bibliográfica trazemos para nossa escrita, fatos históricos oralizados pelo mestre Bimba, líder do Centro de Cultura Física Regional (CCFR), em gravações de LP’s, entrevistas com seus discípulos e com pesquisadores. Também pelos estudos e vivências de seus discípulos, seguidores, apresentados em obras literárias e/ou áudio visual.
Não pretendeu-se aqui apresentar as formas de jogo e/ou aplicação de cada toque catalogado, porque isso fugiria do intento desta pesquisa. Neste estudo não se preocupou se eles são para jogo de faca, navalha, porrete, jogo dentro (3), jogo de fora (4). Tampouco se o uso é para calouros (5), ou veteranos (6).
A principal intenção é de fazer um levantamento dos toques mencionado, e utilizado ao longo dos anos pelo mestre Bimba.
3 Jogo de capoeira a curta distância, corpo a corpo, característico da guarda fechada (DECÂNIO, 1997, p. 23 e seg.).
4 Para o mestre Bola Sete (1997, p.190), é um jogo no plano alto, ou guarda alta, presente com mais frequência na Capoeira Regional.
5 Segundo Ângelo Decânio (1997 p.183), tratava-se do aluno iniciante, antes de jogar ao som do berimbau, e se tornar um batizado.
6 Dr Decânio relata em A Herança do Mestre Bimba (Ibid, p.184), que decorrido 3 meses, sem data marcada, o aluno era promovido a veterano. Podendo ser derrubado com uma rasteira. Aproximando- se assim do grau de formado.
MESTRE BIMBA E SEUS TOCADORES
O Mestre Bimba faz uma das explanações mais ampla sobre o
tema, na gravação de um LP, que foi lançado em 2020, em um CD intitulado, Mestre Bimba e seus tocadores. Fruto de pesquisa e publicação do capoeirista Cristiano Cabeleira, cuja produção é um conjunto de 05 discos de 78, RPM gravado em 1953.
Em sua entrevista, respondendo sobre os toques da Luta Regional Baiana.
O mestre, informa que são 8 os toques:
Entrevistador - Oh Bimba, quantos toques tem a Regional? Me. Bimba - A Regional é composta por 8 toques.
Entrevistador – Quais são eles?
Me. Bimba - São Bento Grande, São Bento Pequeno, Cavalaria, Avemaria, Banguela, Banguelinha, Amazonas e o Hino.
Diante desse trecho da entrevista podemos levantar algumas questões, como por exemplo, o mestre citando nominalmente os 8 toques finaliza incluindo a Iúna, mas ai não seriam 9 ao invés de 8 toques? Seria pelo fato dele ter separado a Banguela da Banquelinha e conta ambos como um único toque ou que um seja a variação do outro?
Os outros fatos, mais curiosos desta gravação são:
A presença do São Bento Pequeno e Avemaria.
Na capa conter o acréscimo de Liso, ao toque de São Bento Grande.
GRAVAÇÕES LORENZO TURNER
Entre os anos de 1940/41, foi realizada pelo linguista americano Lorenzo Turner (1890-1972), uma gravação, que foi divulgada pelo autor do livro Mestre Bimba: O Sonho de Salomão, João Paulo de Araújo (João Pitoco). Nesta não aparece a Banguelinha e Avemaria. Por outro lado, consta um registro com o nome, Sonho de Salomão, catalogado na Universidade de indiana, EUA (2020, p.305).
REVISTA SAGA
Em 1944, a Revista Saga traz uma reportagem, chamada Os Negros lutam suas lutas misteriosas, feita por Ramagem Badaró. Na referida entrevista ele faz uma visita a Roça do Lobo (7).
Segundo Camille Adorno (1999, p.49), houve um diálogo referente aos toques do Berimbau.
Os berimbaus ensaiaram um toque e um dos homens perguntou: Qual é o toque? - São Bento Grande Repicado, Santa Maria, Ave Maria, Banguela, Cavalaria, Calambolô, Tira-de lá-bota-cá, Idalina, ou Conceição da Praia? Bimba pensou rapidamente e disse: Toque Amazonas e depois Banguela.
Este artigo apresenta mais 3 novos toques (Calambolô, Tira-de-lá-bota-cá e Conceição da Praia).
LP CURSO DE CAPOEIRA REGIONAL
Na década de 1960, foi publicado o LP que acompanha um livreto, intitulado Curso de Capoeira Regional. Nele consta em sua capa 7 toques: São Bento Grande, Cavalaria, Banguela, Santa Maria, Idalina e Amazonas.
Sobre este(s) LP(s), há gravações com andamento (8) diferentes em alguns toques. Como é o caso da Idalina, Santa Maria e Banguela. Que alguns passaram intitular anos depois, como “compassada”. (Caso do CD da FUMEB (9)).
7 A primeira Academia do mestre Bimba foi na Roça do Lobo, Tororó, rua Bananal, 4 (ALMEIDA, 1994, p. 18).
8 Velocidade/ritmo dos toques.
9 CD intitulado Curso de Capoeira Regional. Consta do depoimento do mestre Bimba e dos toques de berimbau das duas gravações da década de 60.
GRAVAÇÃO OSVALDO DE SOUZA
No ano de 1973, em entrevista com seu discípulo mestre Osvaldo de Souza. O mestre Bimba, ao ser indagado sobre os toques da Capoeira Regional, e em concordância com a afirmativa do mestre Osvaldo. Diz que a luta regional baiana é composta por 7 toques:
Primeiro toque, Cavalaria. Segundo toque, Santa Maria. O terceiro, Samango.
O quarto, pode ser Banguela.
O quinto, naturalmente é a Iúna[...]
[...] Bem como Ave Maria não se toca mais.
O Hino da Capoeira ainda se toca. Muitas vezes por brincadeira. É o que se chama Apanha Laranja no Chão tico-tico, se meu amor vai “simbora” eu não fico.
Nesta gravação o mestre Bimba cita somente 6 dos toques, e no quarto diz que pode ser Banguela. Podia ser outro também? Menciona o Avemaria, como um toque que não se usa mais, porque, segundo ele atrasava o aluno.
Este fato curioso, pode ter resposta ouvindo o Programa do Almirante na Rádio Nacional, do ano 1940. Onde é mencionado que há um ritual durante a execução do toque.
Segundo o apresentador, o Avemaria é um toque vagaroso e que pede que os contendores, abandonem o terreiro e descansem agachado. E que fazem sinal de cruz no chão com os dedos.
COLEÇÃO SÃO SALOMÃO
Dr. Ângelo Decânio, em A Herança de Mestre Bimba (1997, p.183-184), lista os toques: Cavalaria, Iúna, Banguela, Banguelinha, idalina, São Bento Grande, São Bento Pequeno, Santa Maria e Amazonas. Segundo o autor, o mestre Bimba, chamada o São Bento pequeno de “Sãu Bentu Grandi às avessa”.
OS TOQUES
Para ajudar na compreensão dos toques iremos utilizar as seguintes notas:
Dan – Batida da baqueta com o dobrão afastado do arame e com a cabaça fora do abdômen. Chamado de nota limpa.
Din - Batida da baqueta com o dobrão pressionado no arame e com a cabaça fora do abdômen. Também chamado de nota limpa.
Tchi - Batida da baqueta com o dobrão levemente encostado no arame e com a cabaça no abdômen. Os mestres mais antigos, chamavam de sujar o toque.
Dans - Batida da baqueta com o dobrão afastado do arame e com a cabaça no abdômen, e aproveitando da vibração pressiona o dobrão, e tira do abdômen e retorna a cabaça.
Dun – Batida da baqueta com o dobrão afastado do arame, e com a cabaça no abdômen.
In – Aproveita da vibração, e pressiona o dobrão no arame sem batida de baqueta.
São Bento Grande: Tich dan tich tich din tich dan dan din.
Levando em consideração as informações apresentadas antes, e a fim de fazer uma comparação, com o São Bento Pequeno, iremos considerar só as notas limpas. Ficando assim: Dan din dan dan din
São Bento Pequeno: Tich tich din tich dan tich din dan dan.
Agora fazemos o mesmo processo de supressão das notas sujas. E vamos ter o toque desta forma: Din dan din dan dan.
Temos então uma inversão parcial do toque. O que leva muitos a acreditarem se tratar do “Sãu Bentu Grandi às avessa”, mencionado por Dr Decânio.
Cavalaria: Tich dan tich dan tich dan din dan
Idalina: Tich dan dan din dan dan tich tich din – tich dan dan dan din dan din dan tich tich din.
Forma que é executada em uma das gravações da década de 60.
Idalina Compassada: Dansh dan in dansh tich din - tich dan dan dan din dan din dansh dan din.
Outra forma de execução também presente em uma das gravações da década de 60. O acréscimo do termo compassada, é uma contribuição da Escola de Capoeira Filhos de Bimba, presente nas capas do Curso de Capoeira Regional.
Devesse observar que apesar de receber o mesmo nome, além do andamento, há algumas notas diferentes.
Amazonas: Tich tich dun dan tich tich dan din tich tich dun dan dan din.
Iúna: Dansh dansh dansh dansh dan tich tich dun dun in dun in - dan dan dan dan dan in dan in dan.
Santa Maria: Tich dan din dan din.
Samango: Segundo Mestre Nenel (2018, p.64), ele nunca ouviu seu pai tocar, mas em conversado com mestre Piloto, um dos discípulos do mestre Bimba. Ele relatou que ouviu algumas vezes, e falou como era a melodia. Então o mestre Nenel reproduziu.
Preferi não apresentar as notas deste toque, já que não há uma gravação o mestre Bimba executando.
Hino: Tich dan dan dan dan dan dan dan din dan din -Tich din din din din din din din dan din dan - Tich dun dun dan dan dan dan dan din dan din - Tich din din din din din din din dan din dan - Tich dan tich dan tich dan din dan din - Tich din din din din tich din dan din dan.
Banguela: Tich dan din din
Forma que é executada em uma das gravações da década de 60.
Banguelinha: Tich dan din
Outra forma de execução da Banguela também presente em uma das gravações da década de 60. Como o mestre Bimba menciona a banguelinha em umas de suas gravações (1953). Bem como seu discípulo Dr Decânio (1997, p.193), entendemos que exista o toque, antes chamado pela Escola Filhos de Bimba, por Banguela Compassada.
Sonho de Salomão: Divulgada pelo autor do livro Mestre Bimba: O Sonho de Salomão, João Paulo de Araújo (João Pitoco), este toque tem as mesmas notas da Banguela. Caso haja alguma mínima diferença não foi identificado. Na gravação disponível na internet é possível ouvir: Vamos apreciar agora, o professor da Luta Regional Baiana, conhecido mestre Bimba, tocar ao som do berimbau o rito Sonho de Salomão, nome conhecido.
Ave Maria: Temos menções do toque nas gravações de 1953, e 1973. Entretanto, não foi possível localizar a execução do toque pelo mestre Bimba. Desta forma optei por não apresentar as notas dos toques chamados Ave Maria da Capoeiragem.
Calambolô: Mencionado somente no artigo na Revista Saga. Acreditasse que pode ter sido atribuído o nome neste toque por conta da música de acompanha.
Tira-de-lá-bota-cá: Mencionado somente no artigo na Revista Saga. Acreditasse que pode ter sido atribuído o nome neste toque por conta da música de acompanha.
Conceição da Praia: Mencionado somente no artigo na Revista Saga. Pode- se tratar de um toque em desuso, ou que mudou de nome.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio dos dados coletados, referente a Luta Regional Baiana e ao mestre Bimba, foi possível catalogar 16 toques diferentes. Desconsiderando as variações mencionadas ao longo do texto. Tal como: Compassado, Repicado, Liso.
Os toques presentes nestes registros são: São Bento Grande, São Bento Pequeno, Cavalaria, Idalina, Amazonas, Iúna, Santa Maria, Samango, Hino, Sonho de Salomão, Banguela, Banguelinha, Ave Maria, Calambolô, Tira-de-lá-bota-cá e Conceição da Praia.
Alguns destes toques podem ter sofrido mudança nos nomes, e / ou entendidos como nomes de toques pelas músicas e/ou melodias que o seguem. Há, também casos que pequenas mudanças, adição ou supressão de nota podem mudar o toque. Muitos registros ainda hão de ser encontrados, e/ou investigados no que diz respeito a toda obra do Dr. Manoel.
No que se refere aos toques/ritmos, alguns que foram mencionados deste trabalho, não foram encontrados registros de áudio da forma de execução, pelas mãos do criador da Regional. Longe da pretensão de se esgotar o tema que por sua natureza é deveras polêmico, intencionou-se aqui apresentar a nossa percepção dos registros que se tem até o presente momento, não significando em nenhum momento que possam conter erros ou desinformações, mas como a obra de Mestre Bimba é vasta e abrange um longo período de décadas, podemos considerar que a oralidade vai se perdendo ou sendo ressignificada no que tange à compreensão dos nomes dos toques, de suas variações ou mesmo de suas regionalidades.
Esperamos que esse breve artigo possa colaborar com as discussões existentes no meio dos capoeiristas e que, quem sabe, possa servir de ponto de partida para novas e futuras pesquisas, complementando-o, refutando-o ou mesmo corrigindo-o diante de novas descobertas, porque assim como a capoeira permanece viva e sobre ressignificações ao longo do tempo, a história dos toques que a acompanham também vão sofrendo, senão variações, ao menos novas interpretações.
Referencias
ADORNO, Camille. A Arte da Capoeira. 6ª ed. Goiânia: Kelps,1999. ALMEIDA, Raimundo Cesar Alves. A saga do mestre Bimba. Salvador, 1994. DECÂNIO FILHO, Ângelo A. A Herança de mestre Bimba. Salvador, 1997.
BOLA SETE, M. A Capoeira Angola na Bahia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pallas, 1997. MACHADO, Manoel dos Reis, Curso de Capoeira Regional. JS-Disco. Salvador, 1962/1963.
MACHADO, Manoel dos Reis, Curso de Capoeira Regional. RC-Disco. Salvador,1989.
MACHADO, Manoel dos Reis, Gravações para Lorenzo Turner. Universidade de Indiana. Salvador,1940/1941.
MESTRE NENEL. SFOGGIA, Lia (Organizadora). Bimba: Um século da Capoeira Regional. Salvador: UFBA, 2018.
PEREIRA, João Paulo de Araújo. Mestre Bimba: o Sonho de Salomão. Cajazeiras: Arribaçã, 2020.
CD documentário, entrevista mestre Bimba, 1973. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1wK9smQqUhQ. Acesso em 02 de junho de 2024 Curiosidades Musicais. Disponível em: https://goma-laca.com/afrobrasilidades-em- 78-rpm. Acesso em 02 de junho de 2024.
Sonho de Salomão - https://www.youtube.com/watch?v=sEeyYWTcnEU. Acesso em 02 de junho de 2024.
Mestre Bimba e seus tocadores. Disponível em: https://cristianocabeleira.bandcamp.com. Acesso em 02 de junho de 2024. Curso de Capoeira Regional - Filhos de Bimba Escola de Capoeira, FUMEB.
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